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quarta-feira, 7 de agosto de 2013


Presas ao tempo-relógio, as famílias se esquecem de aproveitar o tempo plenitude-encontro, aquele que permite a troca de afetos e o conforto do cuidado.

“A única falta que terá / será deste tempo que infelizmente... / não voltará mais.” (Mário Quintana)

 Vivemos numa época na qual constantemente nos cobramos a falta de tempo. O passar dos dias nos torna impotentes diante dos ponteiros acelerados do relógio. Damo-nos conta de que o tempo exerce seu poder. Ele impõe limites, coordena severamente compromissos e repousos, administra o tempo-coração, potencializa a soberania do cronos (tempo-relógio) e “impotencializa” o tempo kairós (tempo plenitude-encontro). 

O tempo horas-minutos impera com excesso de tarefas, nem sempre prioritárias, urgentes ou necessárias. Isso pode dificultar o equacionamento de nossas atividades ao tempo real disponível. Então extrapolamos. Avolumamos listas de afazeres, desafiamos um tempo que se rebela. Guerreamos contra o tempo, querendo dar conta de tudo num só tempo. Sentimo-nos dominando o tempo. Não obstante, subordinam-nos ao controle do tempo e do sem-tempo. Observemos a fala do sem-tempo: “Desculpe não lhe visitar. Ando sem tempo. Filho, não fique triste, papai está trabalhando. Hoje ele não tem tempo para brincar com você”.

Amigos partem, ausentamo-nos da despedida, pois eles morrem num tempo sem tempo. Imprevistos e surpresas reivindicam o tempo do sem-tempo. Filhos nascem, crescem, adoecem. Amigos chegam e partem sem que os priorizemos nas nossas agendas cronometradas por um sem-tempo de sentimentos. O tempo passa sem tempo no tempo do cuidado.

Síndrome da mecanização – A humanidade sofre a síndrome da mecanização. Carregamos este sintoma há 200 anos, desde o surgimento da Era Industrial. Mecanizar a produção foi necessário, trouxe progressos, inovações, avanços e facilidades à vida moderna. Mas a humanidade entrou neste sistema, no qual máquinas não podem perder tempo. Pessoas correm o risco de se neurotizarem. Pais e filhos não são máquinas, precisam aprender a se perderem no tempo que os vincula. Hoje, até as cozinhas familiares são automatizadas, e o pão nosso de cada dia produzido em vários sabores ocupa menos tempo da mãe. A máquina o faz.

Crianças manejam os aparelhos digitalizados, dispensando a companhia dos pais para estourar o grão de milho, transformá-lo em pipoca. Máquinas, porém, não elogiam os filhos. Máquinas aquecem o leite da meninada, mas não agradecem. No forno micro-ondas, filhos produzem o lanche da tarde, o brigadeiro. Mas o que fortifica suas vidas é o tempo do carinho, e este a máquina não dá.

Sem dúvida, a máquina facilitou a vida, mas agora é necessário reaprender a perder tempo com os relacionamentos, repensar o que nos diz o jornalista e conferencista Ciro Marcondes Filho: “Vamos perder aquilo que nos escraviza: o tempo. Trata-se de agora em diante, e para o resto de nossas vidas, iniciar uma nova ética: a de perder tempo. Perder tempo para ganhar a vida”.

Cuidado do tempo – Ano novo, novo ano para cuidar de forma nova do tempo. Incrementar o tempo com um novo projeto, qualificando a vida, a família e a missão.  Você já abriu em sua Agenda 2011 o tema: Tempo de cuidado do cuidado do tempo?

Ainda há tempo! Sensibilize-se cotidianamente para este inovador espaço-tempo, o qual modificará seu existir e seus relacionamentos. O sem-tempo esvazia olhares, diálogos, abraços e beijos. O sem-tempo nos impede de priorizar o assessoramento aos filhos, conhecer suas necessidades, dúvidas e escolhas. Filhos são seres de escuta, de cuidado, mesmo já adultos.

Dizia-me a jovem adolescente, triste e apagada: “Faz três semanas que falo para minha mãe que me sinto cansada, desanimada, com dores de cabeça. Ela parece não me ouvir, só pensa no trabalho”. Responde a mãe, justificando-se: “Filha, a mãe precisa trabalhar para comprar as coisas para você...”. A explicação da mãe não convenceu a jovem menina, nem os presentes compensam a necessidade de cuidados. Ela estava adoecendo para buscar tempo-cuidado de mãe.

Atenção, pais: filhos muitas vezes adoecem, tornam-se problemas, drogam-se para pedir o tempo dos pais ausentes. O sem-tempo habituou famílias a resolverem compromissos e conflitos de forma virtual, no qual baratos pacotes de torpedos acrescentam soluções a um cotidiano de corre-corre. Em momento algum se tira o mérito destes meios que facilitam a vida hipermoderna, pois nem sempre a família consegue se encontrar durante o dia para combinações e informações rápidas. Veja bem: combinações e informações rápidas. Já os relacionamentos familiares merecem o tempo kairós, cuja experiência traz satisfação e proximidade.

Pais, o tempo perdido com os filhos se tornará um oikos, ou seja, um espaço de encontro do ser, espaço este que restabelece e privilegia a cura dos sentimentos, o crescimento espiritual e o cuidado. O poeta Mário Quintana deixa-nos uma fala pertinente e sábia sobre o tempo: “A vida são deveres que trouxemos para fazer em casa. / Quando se vê, já são seis horas. Quando se vê, já é sexta-feira. Quando se vê, já é Natal. Quando se vê, já terminou o ano. / Se me fosse dado um dia, uma oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas”.

Deus Pai, Senhor do tempo kairós, abençoa-nos. Amém!

Mãe de todos os homens, cuide de nós. Amém

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