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domingo, 16 de janeiro de 2011

Em busca do tempo perdido

“A única falta que terá, será deste tempo que infelizmente não voltará mais.” (Mário Quintana)

Vivemos numa época onde constantemente nos cobramos a ausência de tempo, tornamo-nos impotentes diante dos ponteiros acelerados do relógio. Damo-nos conta que o relógio habilita seu poder, impondo-nos limites, coordenando severamente agendas, pausas, administrando, inclusive, o tempo-coração. Potencializa-se a soberania do cronos (tempo-relógio). Impotencializa-se o tempo kairós (tempo plenitude-encontro). O tempo horas - minutos, impera com excesso de tarefas ou tarefas excessivas nem sempre prioritárias, ora urgentes, ora desnecessárias. Dificulta-nos equacionar atividades ao tempo real disponível, estrapolamos. Avolumamos listas de afazeres desafiando um tempo que rebela-se. Guerreamos com o tempo, contra o tempo,querendo dar conta de tudo num só tempo. As pessoas sentem-se dominando o tempo, subordinando-se, não obstante, ao controle do sem-tempo.

Observemos a fala do sem-tempo: desculpe-me não visitar-te, ando sem tempo. Hoje não conseguirei dialogar contigo, agenda sobrecarregada, estou sem tempo. Filho, não fica triste, papai está trabalhando encontra-se sem tempo para brincar contigo.

Amigos partem, ausentamo-nos da despedida, pois, morrem num tempo sem tempo. Imprevistos, surpresas, reivindicam o tempo do sem tempo.

Filhos nascem, crescem,adoecem. Amigos chegam, amigos partem sem priorizarem-se nas agendas cronometradas por um sem tempo de sentimentos. O tempo passa sem tempo no tempo do cuidado.

Síndrome da mecanização - A humanidade sofre a síndrome da mecanização. Carregamos este sintoma há 500 anos após o surgimento da era industrial. Mecanizar a produção foi necessário, trouxe progressos, inovações, avanços e facilidades a vida moderna. Mas a humanidade entrou neste sistema, onde máquinas não podem perder tempo. Pessoas correm o risco de se neurotizarem. Pais e filhos não são máquinas, precisam aprender a perderem-se no tempo que os vincula. Hoje, até as cozinhas familiares, estão automatizadas e o pão nosso de cada dia, produzido em vários sabores, ocupa menos tempo da mãe, a máquina o faz.

Crianças manejam bem com aparelhos digitalizados, dispensando a companhia dos pais para estourar o piruá, transformá-lo-o em pipoca. Máquinas, porém, não elogiam os filhos. Máquinas aquecem o leite da meninada, mas não agradecem. No forno microondas, filhos, produzem para o lanche da tarde, o doce negrinho, mas o que fortifica suas vida é o tempo do carinho.

Sem dúvida, a máquina facilitou-nos a vida, agora é necessário re-aprender a perder tempo com os relacionamentos, repensando o que nos diz Ciro Marcondes Filho: "Vamos perder aquilo que nos escraviza: o tempo. Trata-se de agora em diante, e para o resto de nossas vidas, de iniciar uma nova ética: a de perder tempo. Perder tempo para ganhar a vida.”

Tempo de cuidado no cuidado do tempo - Ano novo, novo ano para cuidar de forma nova do tempo, incrementar o tempo com um novo projeto, qualificando a vida, a família e a missão.

Você já abriu, em sua agenda 2011, o tema: tempo de cuidado do cuidado do tempo?

Ainda há tempo!

Sensibilize-se, cotidianamente para este inovador espaço-tempo, o qual modificará seu existir e seus relacionamentos.

O sem-tempo esvazia olhares, diálogos, abraços e beijos. O sem-tempo deixa de priorizar, junto aos filhos, assessoramento as suas necessidades, dúvidas e escolhas.

Filhos são seres de escuta, de cuidado, mesmo já adultos.

Dizia-me a jovem adolescente, triste, apagada: “Fazem três semanas que falo para minha mãe que me sinto cansada, desanimada, com dores de cabeça. Ela parece não me ouvir, só pensa no trabalho.”

Responde a mãe ,justificando-se: “Filha, a mãe precisa trabalhar pra comprar as coisas para ti...”

A explicação da mãe não convenceu a jovem menina, nem os presentes compensam a necessidade de cuidados. Ela estava adoecendo para buscar tempo-cuidado de mãe.

Atenção pais: filhos muitas vezes adoecem, tornam-se problemas, drogam-se para pedir o tempo dos pais ausentes.

O sem-tempo habituou famílias a resolverem compromissos e conflitos de forma virtual, onde, baratos pacotes de torpedos acrescentam soluções a um cotidiano de corre-corre. MSN, com linguagem e comunicação incompleta elabora decisões, dispensas, encontros. Em momento algum tira-se o mérito destes meios que facilitam a vida hipermoderna, pois nem sempre a família consegue se encontrar durante o dia para combinações rápidas, informações. Veja bem:combinações rápidas, informações.

Relacionamentos familiares merecem o tempo kairós, cuja experiência traz satisfação e plenitude.

Pais, o tempo perdido com os filhos tronar-se-á um OIKOS,o u seja um espaço de encontro do ser, espaço este que restabelece e privilegia a cura dos sentimentos, o crescimento espiritual e o cuidado.

Mario Quintana deixa-nos uma fala pertinente e sábia sobre o tempo:
“A vida são deveres que trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são seis horas. Quando se vê, já é sexta-feira. Quando se vê, já é Natal. Quando se vê, já terminou o ano.
Se me fosse dado um dia, uma oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.”

Deus Pai, Senhor do tempo kairós, abençoa-nos. Amém!
Mãe, de todos os homens, cuida-nos.Amém!


*Artigo publicado na revista Família Cristã de janeiro de 2011.

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